Introdução e Objetivo
Apesar da ampla discussão sobre a complexidade dos problemas causados pelas drogas, pouco se discute sobre fatores de proteção e motivos que levam ao não uso de drogas. Considerando que em territórios vulneráveis socialmente existem maiores possibilidades de circulação e exposição às drogas, e o aumento do consumo pelo comportamento imitativo em grupos de vizinhança, compreender o que acontece nestes territórios e como famílias não se deixam levar pelo cotidiano do ciclo drogas/violência, se constitui ferramenta para o estabelecimento de políticas públicas e estratégias de intervenção para o enfrentamento às drogas de abuso. Neste contexto, o objetivo do presente estudo é compreender os motivos para o não uso de drogas por membros de famílias expostas a fatores de risco para o uso, pela convivência em território com elevada circulação de drogas de abuso.
Metodologia
Pesquisa descritiva e transversal, utilizando inquérito domiciliar e amostragem intencional por cadeia de referência, a partir de uma sequência de referências fornecidas pelos moradores de um bairro considerado da periferia do município de Maringá - Paraná. Foram entrevistados 90 moradores, por meio de um roteiro para entrevista semiestruturada, com questões para caracterização sócio demográfica e econômica do entrevistado, e a questão norteadora: “Fale-me porque você considera que os membros de sua família não fazem uso de drogas”. A coleta de dados foi realizada no período de julho a setembro de 2014. O conteúdo da gravação da questão norteadora foi transcrito na íntegra, e a análise ocorreu por meio das três fases da análise de conteúdo na modalidade temática. Todos os aspectos éticos envolvidos na pesquisa foram cumpridos rigorosamente (Parecer COPEP/UEM 16799).
Resultados
Os entrevistados tinham idade média de 50,5 anos, sexo feminino - 77 (85,5%), e estado conjugal casado - 53 (58,9%); informaram período inferior a oitos anos estudados - 55(61,1%), com média de 5,3 anos. A maioria possuía contrato de emprego permanente, temporário ou por conta própria - 58 (65,9%). A composição familiar era de 45 famílias nucleares (50%) e 29 famílias extensas ou ampliadas (32%). A renda familiar média representava aproximadamente dois salários mínimos vigentes no ano de 2014, com variação de três salários mínimos - 21 (24%) a inferior a um salário mínimo - 4 (4,4%). O tempo médio de residência da família na comunidade era de 10,5 anos. Na análise de conteúdo temática foram codificados oito núcleos de sentido, que resultaram em três categorias temáticas. A categoria temática Interação familiar, religiosidade e fatores intrínsecos e motivos para não uso de drogas, foi constituída a partir dos núcleos Relações Intrafamiliares – 71 (78,9%), Religiosidade – 43 (47,7%) e Elementos Intrínsecos – 17 (18,9%); Redes de apoio e convivência influenciando o não uso de drogas foi constituída a partir dos núcleos Relações Interpessoais – 18 (20,0%), Igreja – 6 (6,6%) e Vizinhança 10 (11,1%); e Fatores ocupacionais e de ensino e o afastamento do cotidiano das drogas dos núcleos Trabalho – 13 (14,4%) e Educação 10 (11,1%).A maioria dos entrevistados apontou aspectos relacionados à família como motivos de proteção de seus familiares. A presença e acompanhamento dos pais no cotidiano da família foi citado como um importante motivo: [...] Acho que tem mais a ver com os valores que pai e mãe passaram pra gente! (F38). Depoimentos mostraram que os entrevistados consideram importante não manter relacionamento interpessoal próximo com usuários de drogas, pois a maioria reconheceu que vive em meio a constante oferta de drogas: [...] Mas eu não deixava eles em rua, sei lá, eu acho que amizade, a convivência era risco (F36). A terceira categoria temática ressaltou aspectos relacionados a trabalho e educação. Os familiares consideram que as pessoas que trabalham “desde cedo” tendem a não entrar no mundo das drogas, uma vez que têm menos tempo ocioso e “ocupam a cabeça com outras coisas”: [...] Desde pequeno estamos trabalhando, crescemos trabalhando, não tivemos tempo. A pessoa se ocupa de alguma coisa e não tem tempo de fazer coisa errada (F41).
Considerações Finais
Mesmo vivendo sob situações de baixo poder socioeconômico e permeadas pelo tráfico e violência, foi possível identificar cadeia de famílias cujos membros nunca haviam feito o uso de drogas de abuso. Quatro elementos foram reafirmados: apego às crenças, normas e valores da família, religiosidade e participação regular em atividades da igreja, relações interpessoais na vizinhança e compromisso com o trabalho e a escolaridade.